A reforma trabalhista e o dever de cumprir a lei

Patrícia Alves
Jota
22/05/2017

No final de abril, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) n° 6.787/2016, que altera algumas disposições da CLT com o objetivo de adequá-la às relações de trabalho atuais. Além de diversos avanços no sentido de conferir força à vontade das partes, especialmente quando assistidas pelo sindicato que representa a categoria, o PL estabelece limitações à edição de súmulas e enunciados de jurisprudência pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho no sentido de que não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

Súmulas e enunciados nada mais são do que a consolidação do entendimento de um tribunal acerca de uma determinada tese jurídica e, portanto, servem de referência para os julgamentos sobre o mesmo tema. Na prática, tanto o Tribunal Superior do Trabalho como os Tribunais Regionais do Trabalho se utilizam das súmulas e orientações jurisprudenciais para criar novas regras ou justificar a não aplicação da lei.

Atualmente, há aproximadamente 1.300 entendimentos jurisprudenciais apenas do Tribunal Superior do Trabalho, além dos posicionamentos individuais de 24 Tribunais Regionais do Trabalho. Os números, por si, demonstram que o Poder Judiciário parece querer fazer o trabalho do Poder Legislativo ao criar novas regras para regular as relações de trabalho. É o caso, por exemplo, da Súmula nº 277 do TST, que, contrariando o disposto no § 3º, do art. 614 da CLT, estabeleceu que as cláusulas normativas dos acordos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

A par da discussão quanto à divisão dos poderes, é curioso – e preocupante – notar que os entendimentos dos tribunais divergem entre si. O Tribunal do Rio do Grande do Sul, por exemplo, entende que são devidos honorários advocatícios ainda que a parte não esteja assistida por advogado credenciado pelo sindicato do representante da categoria (Súmula nº 20), ao passo que o TST estabelece como requisito para o pagamento dos honorários justamente a existência de credencial sindical (Súmula nº 219). Em outras palavras, uma mesma empresa pode ter diversas decisões diferentes sobre uma mesma prática caso tenha unidades em mais um de estado no Brasil.

A forma como as súmulas e entendimentos jurisprudenciais atualmente são utilizados causa grande insegurança jurídica a todos. De um lado, trabalhadores e empregadores não possuem quase nenhuma certeza quanto à existência ou não de um direito, o que dependerá fundamentalmente de quem julgará o caso. Além disso, as divergências entre os tribunais regionais e o próprio TST contribuem para o aumento do número de recursos interpostos, o que, consequentemente, afeta o tempo de duração e o custo do processo. De outro lado, investidores não possuem a certeza quanto à aplicação da lei na prática. É o caso, por exemplo, da recente lei que regulamenta a terceirização. Já há artigos de magistrados da justiça do trabalho argumentando que a lei não autoriza a terceirização da atividade-fim porque não utilizou essa exata expressão, o que leva a acreditar que é possível que em breve algum tribunal decida editar uma súmula para estabelecer que a terceirização da atividade-fim não é permitida.

O § 2º do art. 8º do Projeto da Reforma Trabalhista pretende, portanto, garantir que o Poder Judiciário cumprirá seu papel de julgar as demandas trabalhistas, deixando de lado seu ímpeto de criar novas regras ou restringir a aplicação das já existentes. Em outras palavras, no Brasil é necessário que haja uma lei que diga aos juízes que eles devem aplicar a lei! Se aprovado, o referido item do projeto contribuirá significativamente com o aumento da segurança jurídica. Ganham os trabalhadores, empregadores e investidores, além do próprio Poder Judiciário, que tenderá a ter um número menor de ações e recursos para julgar.

Sou assinante
Sou assinante