Aporte de capital do Investidor-Anjo

Andre Luiz da Silva Gomes

Portal JOTA

24/01/2017

 

 

A Receita Federal do Brasil (RFB) submeteu à consulta pública, no dia 23 de dezembro de 2016, proposta de Instrução Normativa (IN) que dispõe sobre a tributação dos rendimentos decorrentes dos aportes de capital de que trata o art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 – capital entregue a uma microempresa ou empresa de pequeno porte pelo “Investidor-Anjo” (Consulta Pública n⁰ 15/2016).

Figura recentemente formalizada pela Lei Complementar n. 155/2016, que introduziu o art. 61-A da Lei Complementar nº 123/2006, o “Investidor Anjo” nasce juridicamente com o intuito de incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos. O “Investidor-Anjo”: i) não será considerado sócio nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa; ii) não responderá por qualquer dívida da empresa; iii) será remunerado por seus aportes, pelo prazo máximo de cinco anos, remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade. O valor aportado somente poderá ser resgatado depois de decorridos, no mínimo, dois anos da sua entrega, conforme legislação societária. Adicionalmente, a Lei Complementar estabelece que [o] Ministério da Fazenda poderá regulamentar a tributação sobre retirada do capital investido.

A IN identifica três formas pelas quais o Investidor Anjo poderá perceber valores decorrentes de seu aporte: i) pelos resultados distribuídos, conforme definido no contrato de participação; ii) pela alienação da titularidade dos direitos do contrato de participação; e iii) pelo resgate do valor do aporte. Para todos esses fatos geradores identificados, a IN aplica, indistintamente, sobre o que classifica genericamente como remuneração do Investidor-Anjo, as alíquotas idênticas àquelas aplicáveis aos rendimentos de aplicações financeiras, de 22,5% a 15%, aplicadas regressivamente de acordo com o prazo de manutenção da aplicação financeira (por exemplo, previstas no art. 46 da IN RFB n. 1.585/2015).

Entretanto há, na IN, ilegalidades no tratamento dado aos valores que o Investidor Anjo pode receber decorrentes do seu aporte.

Ao classificar todos os fatos geradores acima como remuneração do Investidor Anjo e aplicar a eles as mencionadas alíquotas, a IN Proposta desconhece as características dos fatos geradores em questão e, consequentemente, altera o tratamento tributário já previsto para tais fatos geradores em normas pré-existentes. Hipóteses de percepção de valores pela alienação dos direitos do contrato de participação ou o resgate do investimento com já são reguladas como Ganho de Capital (art. 21 da lei n° 8.981/95), estando subsumido no gênero “alienação de bens e direitos de qualquer natureza”. Da mesma forma, a hipótese de distribuição dos resultados já é regulada pelo art. 10 da lei n° 9.249/95 (não tributável). Em ambos casos, o tratamento tributário aos quais estão submetidos os fatos geradores nos dispositivos legais mencionados são completamente diferentes do que consta na IN para os mesmos fatos, quando atinentes à remuneração do Investidor-Anjo.

Assim, a IN fere diretamente a Legalidade Tributária, ao agrupar fatos geradores distintos, que já se encontram regulados em leis específicas, e impor a eles nova classificação para o fim da tributação dos ganhos do Investidor-Anjo. A Instrução Normativa, ato normativo secundário, não pode contrariar ou inovar conteúdo estabelecido em lei, pelo contrário, deve observar os limites impostos pelas leis às quais se subordinam[1]. Não poderia a IN inovar o ordenamento jurídico ao ponto de instituir, a fatos geradores que já se encontram disciplinados por lei, tratamento tributário diverso.

Ainda, ao buscar classificar os fatos geradores compreendidos dentro da Remuneração do Investidor-Anjo de forma distinta a já atribuída a eles em lei, a IN também fere a Isonomia Tributária, ao tratar, diferentemente e sem justificação constitucional, contribuintes em situações iguais. A alíquota incidente, por exemplo, na alienação da titularidade dos direitos do contrato de participação pelo Investidor-Anjo seria distinta da aplicada àquele contribuinte que realizar qualquer outra alienação de direitos, regulado por Lei. Qual é o critério de discriminação para que o valor percebido de uma a alienação desse aporte de capital tenha alíquotas mais gravosas que a venda de um direito autoral, por exemplo, considerando que o Investimento-Anjo, de acordo com a legislação, pretende incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos?

Cabe a RFB, agora, dar efetividade ao procedimento de consulta pública e evitar disputas judiciais evidentes.

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