Divulgação de informações por companhia aberta em crise

Vinícius Krüger Fadanelli
Portal Jota
19/04/2017

A tutela de simetria informacional entre os participantes do mercado de valores mobiliários, buscada pela CVM como uma de suas finalidades legais (e o modelo de full disclosure adotado para tal), foram tratados em texto anterior, cujo objeto central era a caracterização (ou não) como atos/fatos relevantes – e a consequente necessidade de divulgação pelos meios próprios – de pedidos de recuperação judicial (“RJ”) e pleitos homologatórios do plano de recuperação extrajudicial (“RE”) formulados por companhias abertas, bem como de pedidos de falência sofridos pelos emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado.

Ainda na faixa de intersecção entre o “direito societário e o direito da empresa em crise” – interação que até em razão de consequências práticas relevantes tem merecido atenção do meio acadêmico[1] – e ainda especificamente em relação ao regime informacional das companhias abertas insertas em cenários de insolvência, objetiva-se agora tratar da divulgação tanto de informações periódicas quanto daquelas excepcionais, típicas de sociedades em crise.

Como tratado no texto anteriormente publicado, as companhias abertas estão sujeitas aos deveres de divulgação de pedidos de RJ e pleitos homologatórios de RE e, em certos casos, requerimentos de falência, nos termos previstos na ICVM 358/02. Referiu-se também que uma vez observadas tais hipóteses, os emissores devem também atualizar seus formulários de referência (ICVM 480/09).

Adicionalmente, a ICVM 480 determina que devem ser disponibilizadas algumas Informações Eventuais (arts. 30 e 31, a depender da categoria do emissor), se e quando verificadas determinadas circunstâncias. Especialmente em relação às companhias em situação de crise, a petição inicial de pedido de RJ, acompanhada de todos os documentos que devem instruí-la (art. 51 da Lei 11.101/05 – “LREF”), bem como a proposta de plano de RJ e pedido de homologação de plano de RE devem ser disponibilizados ao mercado na mesma data em que protocolados em juízo. Igualmente, o emissor deverá divulgar a sentença que aprecie tais pedidos (concessão ou denegação de RJ ou homologação de RE) na mesma data em que venha a ter ciência de tal decisão. A companhia também deve divulgar aos agentes do mercado o nome do administrador judicial na mesma data de sua nomeação (que ocorre quando há o processamento do pedido – art. 52, I, LREF).

Além de especificidades na prestação de Informações Eventuais dos emissores em crise, a mesma ICVM 480 (art. 35) prevê – em seção específica (Seção III – Emissores em Situação Especial, inserida no Capítulo IV da instrução) – uma disciplina especial para companhias em RE, RJ ou falência.

Assim, no caso da RE, em adição à obrigatoriedade de cientificar o mercado a respeito do pedido de homologação, o emissor deve apresentar relatórios sobre a execução e cumprimento do cronograma de pagamentos homologado. Tais relatórios devem ser divulgados de forma periódica, em intervalos de no máximo noventa dias.

Já os emissores em RJ ficam dispensados de apresentar o formulário de referência (art. 36, ICVM 480) no período compreendido entre o deferimento do processamento da recuperação e o protocolo, em juízo, de relatório ao final do processo (conforme art. 63, III, LREF). Além disso, os emissores em RJ devem veicular pelo sistema administrado pela CVM e em sua página de relações com investidores uma série de documentos e informações apresentadas ao juízo da recuperação, no mesmo dia em que protocolados (art. 36, ICVM 480). São eles as contas mensais da companhia recuperanda, acompanhadas do relatório do administrador judicial (art. 52, IV, LREF), o próprio plano de RJ (art. 53, LREF), e o relatório apresentado pelo administrador ao final do processo (art. 63, citado acima).

Também a decretação de falência (art. 73, LREF) deve ser divulgada pela companhia aberta no mesmo dia em que seja cientificada de tal decisão. Uma vez determinada a falência, fica a companhia dispensada de prestar informações periódicas (art. 38 da ICVM 480), mas deve apresentar ao mercado, na mesma data em que disponibilizados ao judiciário, (a) relatório sobre causas e circunstâncias que levaram à falência (art. 104, “a” ou 105 LREF, conforme o caso); (b) as contas da administração; (c) informações contábeis apresentadas ao juízo; (d) as demonstrações financeiras e relatório elaborados ao final do processo de falência (arts. 154 e 155 da LREF) e (e) a sentença que encerre o processo falimentar, na data em que dela vier a ter ciência (art. 156).

Em regra, portanto, atos centrais à vida das companhias abertas em crise não devem ter sua publicidade limitada aos autos dos processos judiciais: é responsabilidade dos emissores propagar tais informações pelos meios habituais de veiculação de notícias ao mercado – independentemente do exame de sua caracterização como fato relevante (embora naturalmente tal conclusão possa ser alcançada e consequentemente a divulgação correspondente venha a ser feita).

Tal dever, vale referir, é enfatizado pelo Ofício-Circular SEP 01/17 (item 6.2) e sua inobservância pode acarretar a imposição de sanções administrativas. A apresentação de informações incompletas, incorretas ou a não apresentação do que é exigido pelo arcabouço regulatório pode acarretar a responsabilização dos administradores da companhia.

A fiscalização da autoridade do mercado é eficiente e a imposição de sanções administrativas quando observadas tais circunstâncias é bastante comum[2]. A CVM não tem acolhido argumentos associados à situação de crise empresarial apresentados pelos emissores para justificar atrasos[3] e inadimplementos dos deveres de apresentação de informações periódicas podem inclusive levar à suspensão ou cancelamento do registro de companhia aberta[4].

Por fim, considerando a previsão do art. 44, §3º da ICVM 480, e a equiparação de administrador judicial, liquidante, gestor judicial ou interventor ao diretor de relações com investidores, é possível que a responsabilidade recaia também sobre tais pessoas, se estiverem a substituir os administradores estatutariamente indicados.

* O autor agradece a colaboração de Isabella Febrini P. Passos na pesquisa e indexação das decisões administrativas citadas.
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[1] O tema é objeto de disciplina ofertada pelos Professores José Alexandre Tavares Guerreiro e Francisco Satiro no programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo, cujo programa está disponível em https://uspdigital.usp.br/janus/componente/disciplinasOferecidasInicial.jsf?action=3&sgldis=DCO5925
[2] Recentemente foram julgados e indeferidos pelo Colegiado recursos apresentados por emissores em RJ contra a imposição de multas por atraso: Proc. SEI 19957.008963/2016-56 (j. 03.01.2017), Proc. SEI 19957.008964/2016-09 (j. 03.01.2017), Proc. SEI 19957.009250/2016-18 (j. 20.12.2016), Proc. SEI 19957.009251/2016-54 (j. 20.12.2016) e Proc. RJ 2015/12354 (j. 01.12.2015).
[3] “O fato de a Companhia estar em Recuperação Judicial não dispensa o oferecimento das informações periódicas. Nesse sentido, a única dispensa da ICVM 480/09 para companhias em recuperação judicial é o FRE, de forma que, fora dessa hipótese, o Colegiado da CVM entende que a dispensa de elaboração e prestação de informações de companhia de recuperação judicial apenas podem ocorrer em situações de caso fortuito, ou força maior.” – Voto do Diretor Gustavo Borba no PAS RJ2015/4018 (j. 28.06.2016).
[4] O PAS RJ2015/4018 citado, por exemplo, refere a adoção de tais medidas pela CVM.

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