Anatel: contribuições à tomada de subsídios de deveres de grandes usuários

Anatel: contribuições à tomada de subsídios de deveres de grandes usuários

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) encerrou no final de julho, no Sistema Participa ANATEL, a Tomada de Subsídios nº 13/2023 que diz respeito ao Regulamento dos Deveres dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (item 3 da Agenda Regulatória ANATEL para o biênio 2023-2024).

Como adiantamos (veja aqui), a Tomada de Subsídios nº 13/2023 apresentou clara finalidade de coletar contribuições para iniciar um processo de regulamentação do Serviço de Valor Adicionado (SVA), compreendendo a Agência que o provedor de SVA é um usuário de serviço de telecomunicações, de modo que ANATEL regulamentaria tanto o acesso às redes de telecomunicações, quanto a utilização feita pelos usuários dos serviços de telecomunicações.

A partir dessa premissa, a Agência reconhece o desequilíbrio nas relações entre os prestadores de serviços de telecomunicações, notadamente aqueles que ofertam serviços de internet banda larga, e as plataformas digitais (SVA). É identificada a concentração de consumo em poucos players que representam percentual relevante do tráfego de dados: as chamadas “Big Techs”. Por essa razão, tornou-se tema prioritário da pauta e discussões setoriais a participação das plataformas digitais no custeio da rede, de forma que Agência trouxe diversas questões a serem livremente respondidas no âmbito da Tomada de Subsídios.

Abaixo, trazemos alguns dos principais pontos discutidos ao longo das quase 600 contribuições auferidas pelo Sistema Participa ANATEL, seja a favor ou contra a cobrança sobre o uso das redes.

Contra a cobrança sobre uso das redes

Entidades, como Internet Society Capítulo Brasil (ISOC-Brasil) e Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), sustentam que os modelos de pagamento pautados no volume do tráfego se configuram como o “Sender Party Network Pays” (SPNP), o qual não é aprovado pelo Body of European Regulators for Electronic Communications (BEREC), por exemplo, principal órgão europeu para regulação das telecomunicações. O BEREC entende que esse modelo de remuneração pelo uso das redes permitiria que os prestadores de serviços de internet tivessem o monopólio sobre a terminação.

Ainda, as entidades trazem o exemplo da Coreia do Sul, país que já adotou o compartilhamento pelo custeio do tráfego nas redes entre os provedores de aplicação e os provedores de conexão, de modo a ilustrar que os reflexos não foram exatamente os esperados quando da adoção do modelo. Isso porque houve retirada de incentivos, deixando de atrair os investimentos, ao mesmo tempo em que há clara propensão à concentração do mercado, proporcionando a prevalência dos provedores maiores já consolidados. Assim, a interferência na livre pactuação entre as redes pode resultar em uma distorção do mercado, em modelos anticompetitivos e prejudiciais ao próprio desempenho do tráfego.

Outro ponto relevante diz respeito à possível fragmentação da internet, de modo que a obrigação de pagamento levaria a um condicionamento do acesso à prévia contratação entre as redes que não tenham uma conexão direta por seus terminais.

Alegam as entidades, como ISOC-Brasil e ITS Rio, que o modelo de remuneração pelo tráfego colidiria com o princípio maior da neutralidade de rede, tão caro à manutenção de uma rede que possibilita serviços online sem discriminação ou limitação do tráfego, sendo norteadora da atuação dos prestadores de conexão de internet.

Outras entidades, como a Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), expressam que a relação entre provedores de aplicação e provedores de conexão é mútua, é recíproca, de modo que o benefício de um condiz com a valorização do outro. As aplicações de internet, portanto, proporcionam o aumento do interesse dos consumidores pelos próprios provedores de conexão.

A camara-e.net vai além e ataca a própria legitimidade da ANATEL para atuar como reguladora de plataformas digitais. Segundo a entidade, o CDC, o MCI e LGPD já exercem o fundamental papel de regular as atividades em meio digital.

A favor da cobrança sobre o uso das redes

As entidades que se posicionam a favor do fair share, como a Conexis – Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel, Celular e Pessoal, entendem que há necessidade de se proteger a sustentabilidade das infraestruturas que envolvem o ecossistema digital, de modo que seus grandes usuários devem ser responsáveis pelo financiamento do próprio desenvolvimento dessa infraestrutura, o que garantiria uma adequação da competitividade nesse meio.

O fair share, então, configura a livre negociação entre as prestadoras de serviços de internet e os grandes usuários dessa rede, pela qual são celebrados acordos comerciais que garantem a justa remuneração em troca do adequado tráfego de rede.

Alegam as entidades que os próprios grandes usuários, as Big Techs, disponibilizam ofertas aos consumidores de conteúdos reconhecidos como “premium”, de modo que aos consumidores é exigida a cobrança de um valor extra à assinatura, o que proporciona aumento das receitas dessas grandes plataformas digitais em contraponto à elevação dos custos para manutenção da rede pelos provedores de conexão.

A Conexis, por exemplo, entende que órgão regulador deve se pautar em garantir obrigações regulatórias equilibradas, de forma a incentivar uma adequada competição, com a entrada de novos players e inovação no ambiente digital, trazendo uma diversidade de ofertas aos usuários dos serviços de telecom e de SVA, promovendo, assim, um fortalecimento do próprio mercado.

Sem dúvida, esse tema é muito relevante e com interesses contrapostos bastante evidentes que deverão ficar cada vez mais evidenciados nas próximas etapas dessa discussão.

A íntegra das contribuições à Tomada de Subsídios ANATEL nº 13/2023 pode ser verificada aqui.


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Gabriella Salviogabriella.salvio@soutocorrea.com.br

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