28.10.2014 – Societário – Edição 06

Recuperação judicial: sociedade em recuperação judicial não necessita comprovar sua regularidade tributária para usufruir do regime recuperatório.
Em julgamento realizado em 19 de junho de 2013, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, por unanimidade, a desnecessidade de empresa em recuperação judicial comprovar sua regularidade tributária por meio da apresentação, em juízo, de certidões negativas de débitos, após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou de decorrido o prazo para apresentação de oposição por parte dos credores, nos termos dos artigos 57 da Lei nº 11.101/05 e 191-A do Código Tributário Nacional (REsp nº 1.187.404/MT). No entendimento do STJ, o instituto da recuperação judicial apresenta-se como uma alternativa jurídica que busca viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, de modo a possibilitar, ao fim e ao cabo, a preservação da empresa, o cumprimento de sua função social, o estímulo à atividade econômica e, por conseguinte, o pagamento de tributos. A decisão ressaltou ser necessário interpretar os dispositivos legais que regem a matéria à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, considerando, especialmente, a previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, reconhecendo que o descumprimento da previsão do artigo 57 da Lei nº 11.101/05 decorre, em grande parte, da ausência de legislação específica que discipline esse parcelamento, não podendo a apresentação de certidões de regularidade fiscal constituir um ônus do contribuinte que, se descumprido, impede a concessão da recuperação, pelo menos enquanto o legislador permanecer inerte no cumprimento de seu dever. O relator do caso, Min. Luis Felipe Salomão, salientou que não se trata de defender a equivocada visão de que o instituto da recuperação judicial visa a proteger os interesses do empresário, em detrimento de outros não menos legítimos. Na verdade, o valor primordial a ser considerado é a defesa da ordem econômica que está acima dos interesses do empresário ou fisco, já que a empresa em situação de crise econômico-financeira, ao se recuperar, retoma a condição de fonte produtora, fonte geradora de empregos e fonte contribuinte, além de ter subsídios suficientes para satisfazer o interesse dos credores nos termos previstos no plano. A decisão é relevante e oportuna para o tema da recuperação judicial, na medida em que sedimenta a posição do STJ em relação a tema, que parecia fragilizada diante do julgamento do Recurso Especial nº 1.053.883/RJ, realizado em 11 de junho de 2013, que reconheceu a legitimidade da Fazenda Nacional para recorrer, na condição de terceira interessada, de decisões que homologam o plano de recuperação sem, no entanto, garantir-lhe o direito de rejeitar, impor condições ou impedir a homologação do plano, mas tão somente de ver tais argumentos considerados nesse momento processual.

Cooperativas: o rateio linear de prejuízos entre os cooperados viola as previsões dos artigos 80, parágrafo único, I e II, 81 e 89 da Lei nº 5.764/71.
As sociedades cooperativas são reguladas pelos artigos 1.093 a 1.096 do Código Civil e pela Lei nº 5.764/71 e apresentam uma série de características peculiares que as distinguem dos tipos jurídicos societários, especialmente porque não visam à distribuição de lucros aos seus cooperados, mas sim ao exercício de uma atividade econômica de proveito e benefício comuns, obedecendo, por conseguinte, a uma principiologia própria, caracterizada, por exemplo, pela participação econômica equitativa e proporcional de seus membros, respeitando sua efetiva participação nas operações da entidade, lógica que orienta, também, a distribuição de ônus, vantagens, riscos e benefícios, e que prevalece sobre a composição patrimonial do capital desta pessoa jurídica. Sobre este tema em particular, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento examinando caso de cooperativa médica, cujos cooperados em assembleias gerais ordinárias e extraordinária aprovaram, por maioria, o rateio dos prejuízos apurados nos exercícios de 2003 e 2005 de forma linear entre os cooperados, entendeu que tais deliberações são inválidas, na medida em que contrariaram as disposições estatutárias da cooperativa, bem como a previsão expressa do art. 89 da Lei nº 5.764/71 que determina a proporcionalidade no rateio dos prejuízos em razão da fruição dos serviços prestados pela cooperativa aos cooperados. A Corte ressaltou que os estatutos sociais das cooperativas contêm normas fundamentais sobre a organização e a atividade dos órgãos e os direitos e deveres dos cooperados frente à instituição, ao passo que a assembleia geral, na linha do artigo 38 da Lei nº 5.764/71, representa o órgão supremo da sociedade, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes, estando sujeita, no entanto, aos limites legais e estatutários. Nesse sentido, a decisão ponderou que o artigo 80, parágrafo único, I, da Lei nº 5.764/71, autoriza o rateio igualitário das despesas gerais das cooperativas entre os cooperados, desde que exista previsão expressa no estatuto social da cooperativa contemporaneamente à deliberação assemblear e que haja levantamento contábil específico sobre a matéria. Disso resulta a conclusão de que a legislação refere apenas a possibilidade de previsão estatutária acerca do rateio igualitário das “despesas gerais da sociedade”, rubrica contábil que não se confunde com os prejuízos apurados ao final do exercício, aplicando-se quanto a estes, de forma imperativa, a norma que prevê seu rateio proporcional na razão direta dos serviços utilizados pelo cooperado, na linha delineada pelo artigo 89 da Lei das Cooperativas.

Sociedade anônima: Superior Tribunal de Justiça consolida a possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima fechada.
No ano de 2007, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do EREsp 111.294/PR, entendeu ser admissível a aplicação do instituto da dissolução parcial às sociedades anônimas fechadas, a despeito da ausência de previsão legal na Lei nº 6.404/76, considerando que as motivações para a constituição da sociedade no caso concreto foram de cunho eminentemente pessoal (e.g. afeição recíproca e mútua confiança). No caso específico objeto da decisão, a dissolução parcial baseou-se na quebra da affectio societatis, na inexistência de lucro e na ausência de distribuição de dividendos aos acionistas, objetivando, ainda, evitar a dissolução total da companhia e compatibilizar o rigor legislativo com o princípio da preservação da empresa e do exercício da sua função social. Desde então, observa-se que a jurisprudência do STJ tem caminhado no mesmo sentido – o último caso divulgado sobre a matéria foi julgado no mês de maio de 2013 (i.e. REsp 1.303.284/PR) –, autorizando a dissolução parcial de sociedades fechadas, com base na quebra de affectio societatis, quando as qualidades pessoais dos acionistas adquirirem relevância para o desenvolvimento do objeto social da companhia e a desinteligência entre eles acabar impedindo realização do seu fim. O posicionamento do STJ relativiza o rigor da lei Lei nº 6.404/76, que somente permite a saída de acionista em hipóteses legais taxativas (e.g. direito de retirada), e busca fomentar o princípio da preservação da empresa, privilegiando o exercício da sua função social, a arrecadação de tributos e o desenvolvimento econômico do país. Em nosso sentir, a aplicação do instituto da dissolução parcial às sociedades anônimas fechadas é relevante para oxigenar o debate em torno do regime jurídico das companhias e para ajustar o rigor da lei às necessidades e aos problemas reais enfrentados pelos acionistas, especialmente os minoritários. É necessário, contudo, que a solução seja aplicada com parcimônia, em regime excepcional, observando-se, com atenção e cuidado, as peculiaridades do caso concreto, sob pena de desvirtuar imotivadamente o sistema normativo erigido pela Lei nº 6.404/76, cujo efeito será, ao fim e ao cabo, o de gerar maior insegurança jurídica aos agentes econômicos e ao mercado como um todo.

Representação comercial: repercussões financeiras da interpretação do Superior Tribunal de Justiça a respeito da Lei de Representação Comercial
Os contratos de representação comercial estão sujeitos a algumas diretrizes legais bastante estritas no que tange à remuneração do representante. A primeira delas diz respeito à base de cálculo das comissões (art. 32, §4º, da LRC) e a segunda reside na impossibilidade de introdução de alterações contratuais que impliquem na diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos seis meses anteriores à implementação da alteração (art. 32, §7º, da LRC). Com relação à base de cálculo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pronunciou-se em 2010, pela primeira vez, a respeito da interpretação do dispositivo que estabelece que as comissões devam ser calculadas sobre o valor total das mercadorias. Naquela oportunidade, entendeu-se pela impossibilidade de exclusão dos tributos da base de cálculo das comissões. Essa interpretação vem se consolidando e foi, recentemente, ratificada por julgado da Terceira Turma do STJ no Recurso Especial nº 1.162.985 / RS. Segundo aquela Corte Superior, a lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão, entre o preço líquido da mercadoria e o preço pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida. Assim, constrói a interpretação de que a comissão deve incidir sobre o preço final pelo qual a mercadoria é vendida, ou seja, pelo preço constante da nota fiscal, ainda que a parcela relativa aos tributos não consista em receita para o representado. Com relação às alterações, esse mesmo julgado aplica, de forma pioneira, o princípio da boa-fé objetiva para respaldar a validade da redução do percentual de comissão do representante comercial. Entendeu a Terceira Turma que, no caso concreto, não houve uma redução em relação à média dos últimos seis meses, pois o percentual previsto contratualmente nunca chegou a ser aplicado. Prevaleceu, assim, percentual inferior com base no qual as comissões foram efetivamente apuradas desde o início da execução do contrato. Interpretou-se, portanto, com base na boa-fé objetiva, que a inércia do representante em apresentar qualquer oposição ao pagamento nos moldes realizados cria, na outra parte, a percepção plausível de que teria havido renúncia à prerrogativa de cobrar a comissão em percentual superior. Preservou-se, assim, a legítima expectativa do representado.

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