Qual é o papel de minoritários em acordos de leniência?

Vinicius Fadanelli e Eliana Baraldi
Jota
09/06/2017

O acordo de leniência que o Ministério Público Federal (MPF) firmou com a J&F, holding da JBS, acalmou os acionistas minoritários, que tinham receio de também arcarem com os custos do acordo que se assemelha a uma delação premiada empresarial.
Ao mesmo tempo, porém, a leniência levantou dúvidas: o que aconteceria se, em vez da holding, a leniência fosse acertada com a S.A? Os minoritários poderiam participar das tratativas com a procuradoria?
Pela negociação, ficou decidido que a holding pagará R$ 10,3 bilhões a título de multa e ressarcimento mínimo. De acordo com a procuradoria, “R$ 8 bilhões serão destinados a entidades e órgãos públicos lesados em consequência de atos criminosos praticados pelas empresas ligadas à J&F e o restante, R$ 2,3 bilhões, ao financiamento de projetos sociais indicados pelo MPF”.
Como o pagamento da multa ficará a cargo exclusivamente da J&F, da família Batista, os minoritários não terão de arcar com o valor.
“O acordo de leniência foi muito melhor que esperávamos, pois foi sobre a holding”, disse Aurélio Valporto, vice-presidente da Associação dos investidores Minoritários do Brasil (Admin). “Vai em cima dos dividendos que serão pagos aos acionistas majoritários.”
Segundo Valporto, firmar o acordo com a holding da JBS é um sinal de “aprendizado” por parte do Ministério Público.
“Em casos anteriores, como nas empreiteiras envolvidas na Lava Jato, a leniência tirou caixa da companhia, levando-as a praticamente pararem seus trabalhos, prejudicando os minoritários e toda a economia nacional”, argumenta o representante dos minoritários.
A leniência foi assinada pelos procuradores da República que estão à frente das operações Greenfield, Sépsis e Cui Bono – desdobramentos da Lava Jato – e Carne Fraca. O grupo empresarial dos irmãos Batista é investigado nessas operações.
Em vez de prejuízos, o acordo de leniência trouxe benefícios aos acionistas da JBS. Em 31 de maio, dia da assinatura do termo, as ações da companhia dispararam na B3 (bolsa de valores brasileira), fechando o pregão com alta de 8,5%.
Ação Civil Pública
Mesmo com as boas notícias vindas do mercado financeiro, os minoritários ainda pretendem acionar a Justiça contra a companhia.
De acordo com Valporto, uma Ação Civil Pública (ACP) está em fase de preparação e deve questionar o pagamento de propina que saiu do caixa da JBS a políticos e irregularidades na fusão entre a JBS e a Bertin, ocorrida em 2009.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por exemplo, manteve, em abril deste ano, multa de R$ 4 bilhões à empresa Tinto Holding – controladora da Bertin por fraudes fiscais.
“Ficar satisfeito com a leniência não significa que não houve atos que lesaram os acionistas minoritários. Esses dois exemplos, por exemplo, estão sob nossos olhares”, declarou Aurélio Valporto.
Leniência com companhia aberta
A leniência da J&F lança luz sobre a seguinte pergunta: o que acontece se o Ministério Público firmar acordo com a companhia aberta, em vez de com seu controlador? Os minoritários precisam participar das tratativas?
A professora Viviane Muller Prado, especialista em mercado de capitais e coordenadora do Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos da FGV-Direito SP diz que é preciso refletir sobre dois pontos: “O primeiro é sobre quem negocia o acordo e toma a decisão, em especial se estiver uma estrutura de capital com vários acionistas. O segundo ponto é a destinação destes recursos e se há espaço de eles serem usados para ressarcimento de investidores.”
Renato Vilela, especialista em direito societário e professor da GVLaw, afirma que tanto a Lei Anticorrupção (12.846/13) quanto o Decreto 8.420/15 são claros ao estabelecer que é o administrador da pessoa jurídica que representará a empresa no acordo de leniência. No caso de companhia aberta, então, seria a administração da S.A a responsável pelas tratativas.
Ele pondera, porém, que pelo fato de altos valores serem negociados com a autoridade, a competência estaria “acima da alçada” de qualquer diretor da companhia e, nesse sentido, a questão deveria ser submetida ou ao Conselho de Administração (CA) ou à Assembleia-Geral (AG).
“O que seria contrário ao sigilo necessário e demandado pela lei nas tratativas do acordo”, avalia o especialista.
Segundo ele, dependerá do estatuto de cada companhia dizer qual órgão ficará responsável por deliberar sobre a questão da leniência.
“O que, pelo fato de a lei ser recente, nunca vi”, diz Vilela. “Nesse sentido, pelos termos da lei, a figura da administração responsável por representar a companhia perante a administração pública deve ser quem leva a proposta adiante.”
Para os advogados Vinicius Fadanelli, especialista em mercado de capitais do Souto Correa, e Eliana Baraldi, sócia do mesmo escritório na área de arbitragem, depende da disciplina dada ao tema dentro do estatuto da companhia.
“Assim, pelos valores envolvidos em tais acordos – ou pelos outros compromissos eventualmente assumidos – é possível que sejam obrigatoriamente pauta da assembleia geral, a depender da companhia”, disseram os advogados.
Na mesma linha vai o advogado Felipe Demori Claudino, especialista em mercado de capitais e direito societário do Rolim de Mello Sociedade de Advogados.
“Se o estatuto da companhia não prever sobre deliberação de minoritários, quem fecha a leniência é o administrador”, falou Claudino.
Prejuízo a minoritários
Como em uma hipotética leniência de uma companhia aberta o dinheiro a ser pago sairia do caixa da empresa, os acionistas minoritários poderiam ser lesados diretamente.
Felipe Claudino explica que, nesse caso, eles podem acionar o art. 159 da Lei das S.A (6404/76), que dispõe sobre “ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”.
“É possível que os acionistas entrem com ação contra os administradores em nome da companhia, e aí os controladores os indenizam”, explica o advogado.
Diz o texto do art. 159:
Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
§ 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia-geral extraordinária.
§ 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia.
§ 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.
§ 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.
§ 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.
§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.
§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.
Guilherme Pimenta – São Paulo

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